Por uma arma... sonhos se vão
Eu
demorei para ter coragem de escrever tudo o que vou escrever aqui. É
difícil escrever sobre a decepção. Dizem por ai que a decepção vem do que a
gente espera e idealiza. Mas a gente sonha. É difícil escrever sobre a tristeza
que me enche quando eu penso no mundo. Esta tudo tão misturado dentro de mim. O
que é meu, quem sou eu e o que esta fora. Já não consigo definir claramente o
que é expectativa não-realística minha e o que esta errado mesmo nesse mundo.
Eu já andava pensativa sobre a vida no geral, a minha e como é viver nesse
mundo. Foi quando há algum tempo atrás eu e meu namorado fomos assaltados à mão
armada. A gente vê na TV e banaliza. O amigo te conta, mas ainda não é real e
como acontece todo dia, a gente não se impressiona. Aí quando uma arma é
apontada para você, você entende. Você entende que você não vale nada. Você
entende que precisa viver melhor. Você se sente menor do que um grão de areia. Você
entende o que é sofrer uma violência. E sim, eu anda choro quando penso nisso.
Talvez um dia passe. Talvez não, porque agora eu choro quando vejo qualquer
tipo de violência, mesmo que não deixe os outros verem minhas lágrimas. Eu já
não assistia as notícias na TV, agora não suporto. Eu que adorava filme de
suspense com assassino ou filme de terror, agora não consigo mais assistir esse
tipo de filme sem me sentir muito mal e triste. Filme de ação então, com
tiroteio sendo tratado como algo tão casual como tomar um copo de água, me dá
arrepios. Porque tudo aquilo, sendo ficção ou fato ocorrido, vem da mente
humana, que banaliza a violência e a vida. Por um bom tempo não me sentia
segura em lugar nenhum. Qualquer alarme na rua me deixava angustiada. Melhorou,
mas nunca mais serei a mesma. Tenho a impressão de que mesmo se eu estiver no
meio do Ártico ainda terei medo de alguém me violentar, de algum modo. Deixei
de fazer algumas coisas no começo e depois mudei minha rotina e horários. E
tenho pensado muito na minha vida. Perdi minha paz. Perdi minhas certezas.
Perdi vontades. Perdi até alguns sonhos. Tudo porque perdi muito da minha fé
nesse mundo. Meu sonho de fazer pesquisa para ajudar a melhorar um tiquinho
desse mundo esta se esvaindo e mais rápido com cada barbaridade que escuto. Meu
amor pelas abelhas e minha vontade de lutar por elas talvez vire somente um
hobby. Provavelmente somente o amor pelas abelhas, a luta talvez seja esquecida
já que muita gente esta lutando pelo ganho econômico disfarçado de amor por
elas. Eu fui muito feliz nesse período acadêmico da minha vida, mas o que a
gente sacrifica em nome de um emprego que nunca vem, passou a não valer a pena.
Não faz mais sentido lutar em uma batalha que já esta perdida, onde os
interesses de uns são mais importantes do que os de uma sociedade. Perdi
vontade, sonho, tesão, força, porque tudo o que eu quero agora é encontrar um
pouco de paz. Eu quero morar em um lugar que tenha silêncio, eu quero colocar
meus pés na terra, eu quero tomar um banho de chuva e ter tempo para não pensar
em nada. Eu quero dizer não à violência diária de ter que preencher o meu dia
com trabalho e informação. Quero ter um final de semana sem peso na consciência
de não estar resolvendo, escrevendo, lendo, respondendo, decidindo. Afinal, se
você não esta, tem alguém que esta e vai ficar com a vaga. Eu quero algo que
provavelmente nunca mais existirá, que é andar na rua sem medo. Não me lembro
qual foi a última vez que fiquei totalmente confortável “em público”. E todas
essas vontades estão em conflito com a vida que levo agora e com tudo que um
dia sonhei. É tempo de mudança e ainda não sei como transformar a minha vida
dentro desse mundo. Esse mundo parece nos sufocar. Mas talvez seja apenas eu
mesma me sufocando porque esse mundo é verdade na minha cabeça. Parece que não
há sobrevivência se não seguirmos as regras, só que eu quero viver, não
sobreviver. Há realidades das quais não posso fugir, mas há regras que posso
não aceitar. E é preciso ter coragem. Mas é difícil ter coragem se sentindo tão pequena. Eu acreditava que eu
conseguiria ser e fazer o que eu quisesse. Não sei da onde vinha tanta força
para enfrentar os meus obstáculos (que podem ser bem pequenos em relação aos de
outras pessoas... e provavelmente são). Essa força já estava diminuindo, outros
fatores afetavam minha confiança e eu achava que ainda não tinha feito o
suficiente, mas ainda acreditava que podia chegar lá. Agora, não sei se vale a
pena tentar chegar lá. Não sei nem se quero chegar lá. Não sei se esse é o
caminho que quero continuar trilhando, pois perdi o tesão. Há tantos modos de
ser feliz e eu quero ser mais leve. Quero leveza. Quero conseguir continuar
sorrindo e doar um pouco de mim para os outros. Esse mundo esta errado. Vivemos
para ganhar dinheiro, não ganhamos dinheiro para viver melhor. Eu quero fugir
daqui!
Tudo
porque apontaram uma arma para mim e me mandaram sair correndo. E eu fui,
anestesiada, sendo puxada pelo meu amor. Naquele momento eu não pensava se eu
iria morrer. Eu pensava que eu queria ir embora desse Brasil. Eu ainda não
consigo pensar em tudo isso sem chorar.
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